A expressão “somos aquilo o que
comemos” nunca fez tanto sentido. O cérebro humano só se desenvolveu e chegou
ao patamar atual, diferenciando-se dos demais primatas, porque o homem começou
a cozinhar os alimentos. Vários estudos já tinham relacionado mudanças nos
hábitos alimentares ao desenvolvimento do órgão, mas uma pesquisa da UFRJ e do
Instituto Nacional de Neurociência Translacional publicada hoje no periódico
científico “Proceedings of the National Academy of Sciences” comparou o cérebro
humano e o de primatas, comprovando que a maior quantidade de nutrientes
adquirida por meio dos alimentos cozidos foi essencial para o crescimento da
massa encefálica e do aumento do número de neurônios do Homo erectus, ancestral
do homem moderno.
O trabalho analisou por que os
gorilas e orangotangos têm corpos maiores que o do homem e, no entanto, têm um
cérebro menor. O resultado mostrou haver uma “limitação metabólica” tanto com
relação ao número de horas disponíveis para a alimentação, como na baixa
quantidade de calorias presentes em raízes e vegetais que são ingeridas por
eles.
— O que fizemos foi mostrar com
modelos matemáticos que a exigência calórica do corpo e do cérebro é de fato
limitante — comentou uma das autoras do trabalho, a neurocientista Suzana
Herculano-Houzel, professora da UFRJ. — Se o Homo erectus não tivesse
modificado sua dieta, nós não estaríamos aqui, seríamos inviáveis. Para termos
o cérebro de hoje com alimentos crus, teríamos que passar mais de nove horas
por dia comendo sem parar.
Com o alimento cozido,
economiza-se tempo para a mastigação e pode-se consumir com mais facilidade e
em maior quantidade opções mais calóricas, como a carne. O Homo erectus começou
a usar o fogo na alimentação entre 600 mil e um milhão de anos atrás. Análise
de fósseis mostrou que ao longo das gerações houve uma redução dos dentes e sua
musculatura facial, indicadores de que a força para a mastigação igualmente
diminuiu.
Os cientistas vêm notando que
existe uma tendência evolutiva do aumento do cérebro nos mamíferos. Porém, no
caso deste ancestral do homem, esse tamanho praticamente dobrou num período
entre 200 mil e 400 mil anos. Já o do orangotango, por exemplo, passou por um
aumento, mas parou de crescer.
— O que fazer quando se chega
neste limite? Uma opção seria comer mais horas, o que pareceu inviável; outra
seria a necessidade metabólica diminuir, o que também não ocorreu. Restou uma
alternativa: mudar o rendimento calórico da alimentação para, aí sim, escapar
desta limitação — explicou a pesquisadora.
Além de consumir alimentos mais
calóricos em menos tempo, o ancestral do homem teve ainda a possibilidade de
empregar o tempo livre (em que não precisava comer para atender às necessidades
calóricas) em outras atividades, o que também pode ter colaborado para o desenvolvimento
cerebral, com o aumento do número total de neurônios.
— Ele não precisou mais passar o
dia todo catando comida, pôde se organizar, ter interações sociais mais
significativas, ir mais longe, ter mais experiências, tornar mais rica a vida —
exemplificou Suzana.
Avidez por comida continua
O número de neurônios, por sinal,
é uma característica que diferencia o homem dos outros animais. Por isso, a
equipe da UFRJ se debruça agora na massa encefálica do elefante. A hipótese é
de que, apesar do tamanho, ela tem menos neurônios do que a do homem. A
pesquisa está em andamento, mas espera-se também encontrar relação com o
cozimento da comida. Por outro lado, a pesquisadora levanta uma possível
consequência negativa deste avanço:
— O homem continuou a ter avidez
por comida, mas hoje consome uma quantidade enorme de calorias, muito mais do
que ele precisa por refeição, levando à obesidade.
Fonte: O globo.com
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